OS ALEMÃES E A CACHAÇA
A chegada dos imigrantes alemães ao Litoral Norte do Rio Grande do Sul, em 1826, marcou o início de uma significativa transformação agrícola e cultural na região. Inicialmente assentados em Torres, os colonos estabeleceram-se posteriormente em Três Forquilhas (protestantes) e na Colônia São Pedro (católicos), atual Dom Pedro de Alcântara.
A região oferecia condições propícias para a agricultura, com terras férteis e clima favorável. Os colonos, beneficiados por incentivos do Império, como ferramentas, sementes e animais, enfrentaram desafios logísticos devido à ausência de infraestrutura adequada para o escoamento da produção.
Entre as culturas introduzidas, a cana-de-açúcar destacou-se. Embora já cultivada por portugueses desde o século XVIII, os alemães assimilaram e aprimoraram as técnicas de cultivo e processamento, estabelecendo engenhos e alambiques para a produção de cachaça, rapadura e melado. A Colônia São Pedro tornou-se um centro notável dessa produção, atendendo tanto ao consumo local quanto à demanda dos tropeiros que transitavam pela região.
Apesar das dificuldades de transporte, a produção de cachaça prosperou. Relatos indicam que, em 1850, Três Forquilhas produziu 814.000 rapaduras e 91 pipas de aguardente, enquanto São Pedro de Alcântara registrou 632 pipas. No entanto, há indícios de que alguns desses números possam ter sido superestimados em relatórios oficiais da época.
A cultura da cachaça também influenciou os hábitos locais. Os colonos adotaram o "mata-bicho", uma mistura de café com cachaça consumida nas manhãs frias, e incorporaram o uso de ervas na bebida, práticas que perduram até hoje em algumas regiões do interior gaúcho.
A trajetória dos imigrantes alemães no Litoral Norte evidencia a capacidade de adaptação e integração cultural, resultando em uma herança agrícola e social que ainda marca a identidade da região.
Referências:
BARROSO, Vera Lúcia Maciel. Moendas caladas: Açúcar Gaúcho S.A. – AGASA: um projeto popular silenciado. 2006. Tese (Doutorado em História) – Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2006.
BUNSE, Heinrich W. A cana-de-açúcar. Correio do Povo, Porto Alegre, 12 mar. 1983. Letras & Livros, ano II, n. 79, p. 5. (A terminologia da cana-de-açúcar no Rio Grande do Sul).
FIGUEIREDO, Lézia Maria Cardoso de. Raízes Torres: alguns aspectos sobre a história do Presídio das Torres. Torres: s.n., 1995.
PORTO, Aurélio. O trabalho alemão no Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Globo, [s.d.].
RUSCHEL, Ruy Ruben. Os Fortes de Torres. Torres: Edição EST, 1999.
SELAU, José Krás. Colônia São Pedro – Um pouco de sua história. Torres: s.n., 1995.
O ENCONTRO DE DOM PEDRO I COM OS COLONOS ALEMÃES
A data oficial da chegada dos 421 colonos alemães a Torres é 17 de novembro de 1826. No entanto, os colonos protestantes só foram assentados em agosto de 1827 e os católicos em meados de 1828, devido a dificuldades como enchentes, problemas de demarcação e descontentamento com as terras oferecidas. Durante esse período, não se sabe ao certo onde ficaram alojados, mas é provável que tenham sido arranchados no local conhecido como “Potreiro”, às margens do rio Mampituba, no lado sul da antiga barra do rio, onde havia espaço disponível e boas condições de pesca.
Um documento de 1844, “Memórias das Torres”, escrito por Francisco de Paula Soares, comandante do Baluarte Ipiranga e inspetor da colônia, fornece indícios sobre a localização desses colonos. Acredita-se que eles tenham ficado nessa estreita faixa de terra, próxima à barra e à Sesmaria dos Rodrigues, por ser a única área viável fora do núcleo urbano, cercado por pântanos.
A CARTA
O contato entre D. Pedro I e os colonos alemães é confirmado por uma carta do colono Valentin Knopf, datada de 1º de dezembro de 1827, transcrita no livro O Lavrador e o Sapateiro, de Rodrigo Trespach. Nela, Knopf relata que o imperador, ao passar pela região, doou quatro mil réis a cada pai de família. Apesar de não mencionar a data exata, presume-se que o encontro tenha ocorrido em Torres, já que os colonos ainda estavam ali em dezembro de 1826.
O itinerário oficial de D. Pedro aponta que ele esteve em Torres no dia 5 de dezembro, por apenas seis horas, o que levanta dúvidas sobre a possibilidade de um encontro com os colonos nesse dia. Há hipóteses de que os chefes de família tenham sido recebidos no Baluarte Ipiranga, o que seria viável dentro do tempo disponível, embora sem confirmação definitiva.
VAZIO HISTÓRICO
Outra hipótese é a de que o encontro com os colonos tenha ocorrido no dia 25 de dezembro de 1826, durante o retorno do Imperador de Rio Grande. O Visconde de São Leopoldo relata que, nesse dia, D. Pedro chegou a Torres e teve uma conversa reservada com o Marquês de Quixeramobim, que lhe entregou cartas e informações sobre a morte da Imperatriz Leopoldina e a instabilidade no Rio de Janeiro.
D. Pedro, aparentemente abalado, decidiu postergar o retorno à corte, levando 21 dias para retornar ao Rio, mais que o dobro do tempo da viagem de ida. Esse intervalo pode ter sido usado para refletir sobre os acontecimentos e também, possivelmente, para manter contato com os colonos, embora não haja registros diretos confirmando isso. O período entre 23 e 25 de dezembro permanece um vazio na historiografia, sendo este um dos primeiros esforços para interpretá-lo.
Referências:
RUSCHEL, Ruy Ruben. Coluna “Potreiro”. Gazeta, 31 out. 1997.
TRESPACH, Rodrigo. O lavrador e o sapateiro: memória, tradição oral e literatura. Porto Alegre: EdiPUCRS, 2013.
SOARES, Francisco Paula. Memórias do Tenente Coronel Francisco Paula Soares. Revista do Arquivo Público do RS, mar. 1924.
BRASIL. Imperador (1822-1831: D. Pedro I). Carta à Imperatriz Leopoldina. In: Itinerário de Jornada. Petrópolis: Museu Imperial, 2013.
LEOPOLDINA, Maria Leopoldina da Áustria. Cartas de uma imperatriz. São Paulo: Estação Liberdade, 2014.
PRIORI, Mary Del. A carne e o sangue. Rio de Janeiro: Rocco, 2014.
LOPES, Diderô Carlos. O detetive do passado e sua viagem além-mar. 2015.
A IMIGRAÇÃO ALEMÃ E A ORIGEM DE DOM PEDRO DE ALCÂNTARA
A chegada dos imigrantes alemães ao Litoral Norte do Rio Grande do Sul está diretamente ligada à fundação da antiga Colônia de São Pedro, criada oficialmente em 1847. Naquela época, o Brasil Imperial incentivava a vinda de europeus como parte de sua política de colonização e povoamento de áreas consideradas estratégicas.
Segundo Vera Lúcia Maciel Barroso, a instalação das colônias tinha, entre outros objetivos, "criar uma barreira entre os indígenas e os estancieiros, formar um pequeno mercado consumidor de produtos industrializados e proporcionar mão de obra aos latifundiários, quando necessário". Ela ressalta que essas colônias ficavam geralmente "em terras devolutas ou em propriedades confiscadas por dívidas com o Estado" (Barroso, 2012).
No caso da Colônia de São Pedro, a área compreendia territórios dos atuais municípios de Dom Pedro de Alcântara, Morrinhos do Sul, Três Cachoeiras, Mampituba e Torres. O historiador Heinrich W. Bunse destaca que a região “correspondia, aproximadamente, à Freguesia de Nossa Senhora dos Navegantes de Torres, criada em 1832” e lembra que os primeiros colonos foram assentados em lotes distribuídos ao longo do rio Verde, “na zona mais interiorana e menos explorada do Litoral Norte” (Bunse, 1975).
A maioria dos imigrantes vinha do Hunsrück, região montanhosa da então Prússia Renana. Fugiam da pobreza, da instabilidade política e da pressão populacional. Para Jorge Luiz da Cunha, a vinda desses grupos fazia parte de uma “estratégia de ocupação das áreas de fronteira”, além de buscar "solucionar problemas sociais na Europa através da emigração" (Cunha, 1997).
José Selau reforça que a Colônia São Pedro não era um núcleo de colonização isolado, mas sim parte de um plano mais amplo de ocupação do Sul do Brasil. Ele escreve: “A fundação da colônia teve como base um conjunto de fatores, entre eles a necessidade de assegurar a soberania brasileira sobre áreas pouco povoadas e reforçar economicamente a região” (Selau, 1999).
Com o passar dos anos, os imigrantes desenvolveram atividades agrícolas, construíram igrejas, escolas e mantiveram práticas culturais herdadas da Alemanha, como o idioma, a culinária, os festivais e o trabalho comunitário. Essa identidade se preservou com força no atual território de Dom Pedro de Alcântara, criado como distrito de Torres em 1960 e emancipado em 1996.
Referências:
BARROSO, Vera Lúcia Maciel. Colonização e imigração no Rio Grande do Sul: o povoamento alemão. Porto Alegre: Ed. da UFRGS, 2012.
BUNSE, Heinrich W. Imigração alemã e colonização no Rio Grande do Sul. Porto Alegre: EST, 1975.
CUNHA, Jorge Luiz da. Imigração e colonização no Brasil meridional: a formação da pequena propriedade no século XIX. Florianópolis: Ed. da UFSC, 1997.
SELAU, José. Origens e desenvolvimento das colônias alemãs no Litoral Norte do RS. Osório: Editora da FACOS, 1999.
ORIGEM DO NOME COLÔNIA SÃO PEDRO E DO MUNICÍPIO DE DOM PEDRO DE ALCÂNTARA
O nome "Colônia São Pedro" (ou Cantão das Torres, ou Colônia das Torres) foi inicialmente utilizado para designar a Colônia Alemã em Torres, abrangendo tanto protestantes quanto católicos. A origem desse nome, no entanto, apresenta divergências. Segundo Helga Landgraff Picollo, professora e doutora em História pela USP, em sua palestra "Cruzando Informações – A Colônia de São Pedro na Historiografia", no evento Dom Pedro de Alcântara – Marcas do Tempo (2007), a colônia também era conhecida como "das Torres" nos primeiros registros, sendo esse nome encontrado em correspondências oficiais, relatórios e tabelas estatísticas.
José Selau, em seu estudo sobre a Colônia São Pedro, sugere que o nome tenha origem na visita de Dom Pedro I a Torres, em 6 de dezembro de 1826, cerca de 19 dias após a chegada dos colonos alemães. Embora não haja registros de que o Imperador tenha visitado o assentamento, é possível que tenha ocorrido um pedido formal dos colonos para que o nome da colônia fosse uma homenagem ao Imperador, que teria doado uma gleba de terra para a construção da sede comunitária. Selau questiona, no entanto, se os colonos alemães, muitas vezes analfabetos, teriam conhecimento do santo espanhol São Pedro de Alcântara, padroeiro da província. Ele conclui que o nome pode, sim, ser uma homenagem ao Imperador Dom Pedro I, ou a São Pedro, padroeiro da província do Rio Grande do Sul.
Por outro lado, Ruy Ruben Ruschel acredita que o nome da colônia tenha sido uma homenagem ao santo espanhol São Pedro de Alcântara, embora reconheça que também poderia ser uma homenagem ao Imperador. Emiliano J.K. Limberger, seguindo uma linha semelhante à de Selau, aponta que a escolha do nome São Pedro de Alcântara pode ter sido uma forma de combinar uma homenagem ao Imperador e ao santo, considerando a tradição de dar nomes de santos aos lugares, prática comum na história luso-brasileira.
Portanto, a origem do nome "Colônia São Pedro" parece estar relacionada a uma homenagem tanto ao Imperador Dom Pedro I quanto a São Pedro de Alcântara, com diferentes interpretações sobre qual figura foi mais influente.
Já o nome do município, Dom Pedro de Alcântara, é uma homenagem direta ao Imperador, sem controvérsias.
EMANCIPAÇÃO E CRIAÇÃO DO MUNICÍPIO
Na década de 1990, o Rio Grande do Sul vivia um movimento de emancipações de diversos distritos. A Colônia São Pedro, então parte do município de Torres, seguiu o exemplo de outras regiões e iniciou o processo de emancipação. A comissão responsável pela tramitação do processo foi composta por diversas autoridades locais, incluindo Guilherme Cléo Biasi, que viria a ser o primeiro prefeito de Dom Pedro de Alcântara.
Em 22 de outubro de 1995, a comunidade de Colônia São Pedro realizou um plebiscito, e o resultado foi favorável à emancipação. Em 29 de dezembro de 1995, o processo foi aprovado pela Assembleia Legislativa do Estado, e a Lei foi homologada pelo Governo do Estado. Assim, em 1995, aproximadamente 170 anos após a chegada dos imigrantes alemães à região, Dom Pedro de Alcântara se tornou um município independente.
Referências:
Ruschel, Ruy Ruben. Torres Origens (Edições Gazeta, 1995, 2001, 2003 e 2005).
Selau, José Krás. A Colônia São Pedro – A Sua História (1995 e 2005), Imigração Alemã em Torres – Por Quê? (Gazeta, 1999).
Limberger, Emiliano J.K. A Colonização Alemã no RS (2007).
Landgraff Picollo, Helga. "Cruzando Informações – A Colônia de São Pedro na Historiografia", no evento Dom Pedro de Alcântara – Marcas do Tempo (2007).
Porto, Aurélio. O Trabalho Alemão no Rio Grande do Sul (Martins Livreiro, 1996).
Dimer, Adilson Maia. Dom Pedro de Alcântara – Marcas do Tempo (2007).
Ely, Nilza Huyer. "A Colonização Alemã da Ponta das Torres", Dom Pedro de Alcântara – Marcas do Tempo (2007).
Capela São Sebastião, construída por José Webber há 160 anos em cumprimento a uma promessa. Ao fundo, a Gruta de Nossa Senhora de Lourdes.
Gruta de Nossa Senhora de Lourdes, com as imagens da Santa e de Santa Bernadette Soubirous.
A HISTÓRIA NO SEU DEVIDO LUGAR: A PASSAGEM DE D. PEDRO I PELO PASSO DE TORRES, TORRES, ARROIO DO SAL, TRAMANDAÍ E SANTO ANTÔNIO DA PATRULHA
Em dezembro de 1826, D. Pedro I não pernoitou na casa do alferes Manoel Ferreira Porto Filho, em Torres, como se pensava até então, mas na Estância do Pacheco, nas proximidades da atual cidade de Arroio do Sal. Essa correção histórica foi confirmada através de documentos e registros, depois de três anos de pesquisa. O Imperador viajou ao Sul do Brasil para acompanhar de perto a Guerra Cisplatina, conflito iniciado em 1825 entre o Brasil e a região que viria a se tornar o Uruguai.
Na época, o Brasil mantinha um grande contingente militar na bacia do Rio da Prata, mas o exército e a marinha enfrentavam sérios problemas, como a falta de preparo e recursos, além de desmotivação nas tropas. A guerra, que não parecia ter um fim claro, era marcada por erros estratégicos e dificuldades de logística. D. Pedro, que se via inspirado por Napoleão Bonaparte, nomeou o Visconde de Barbacena para comandar as tropas e decidiu viajar ao Sul para verificar a situação pessoalmente.
Ao pesquisar a viagem de D. Pedro, uma série de distorções históricas foi descoberta, as quais serão detalhadas em um futuro livro sobre a expedição. O foco do capítulo atual é sua passagem por Torres e Arroio do Sal, em dezembro de 1826. A principal fonte dessa pesquisa é uma carta escrita por D. Pedro à Imperatriz Leopoldina, datada de 8 de dezembro, na qual ele relata sua jornada e anexa um Itinerário de Jornada, uma fonte primária importante.
De acordo com o Itinerário, na noite de 4 para 5 de dezembro, D. Pedro pernoitou em uma barraca de sapé junto ao Arroio Grande, distante cerca de 17 km da foz do Mampituba. No dia seguinte, pela manhã, ele seguiu em direção à praia e, ao chegar às margens do Mampituba, atravessou o rio. Às 8 horas, ele chegou a Torres, provavelmente ao Baluarte Ipiranga. Ali, foi recebido com uma salva de 101 tiros de canhão e uma farta recepção gastronômica. A história que circulava até então sobre ele ter dormido em Torres foi, portanto, corrigida. Em seguida, D. Pedro seguiu para a Estância do Pacheco, onde pernoitou.
Referências:
D. Pedro I. Carta à Imperatriz Leopoldina. 8 de dezembro de 1826. Documento original em arquivo pessoal.
D. Pedro I. Itinerário de Jornada. 1826. Documento original.
SOARES, Francisco de Paula. Memórias do Tenente Coronel Francisco de Paula Soares. 1844. Publicadas a pedido do Visconde de São Leopoldo.